Tua ausência cala o mundo.
Só há silêncio debruçado nos caminhos. Nenhuma música, buzina ou voz.
Não há flores, gargalhadas, trovões ou gritos. Apenas relâmpagos imaturos que acendem um céu sem lua, sem estrelas, sem chuvas ou qualquer coisa que me tire a atenção da tua falta.
Tua ausência cala o mundo, o mar, os ventos.
Tua ausência desaba silenciosamente sobre meus dias.
Tua ausência é essa substância densa.
Tua ausência é tão presente que é pessoa... e me abraça...


Meu filho, sem você sou apenas metade de mim.

segunda-feira, 4 de março de 2013

A Travessia

Era início de 2003 quando eu e o Ale decidimos ter nosso primeiro filho. Alguns dias depois, tive um sonho que me marcou muito e que apenas hoje faz todo sentido do mundo.
Sonhei que estava numa lancha e recebi a missão (da qual concordei prontamente) de fazer uma travessia com um bebê até a outra margem de um rio com águas muito revoltas, lá eu deveria entregar esta criança a alguém que viria buscá-la na margem. Enquanto alguém pilotava a lancha eu ia atrás, carregando aquele lindo bebê (um menino) que dormia serenamente no meu colo.
A violência das águas quase virou a lancha por diversas vezes, mas eu agarrava o bebê perto do meu peito e ele dormia sem nada perceber.
Mesmo sem ainda ser mãe, sentia um amor maternal por aquela criança que sabia não ser minha, pois havia recebido a incumbência de entregá-lo assim que a travessia terminasse.
Então chegamos a nosso destino e uma mulher muito serena, com olhar angelical, veio receber o bebê de meus braços. Mas eu não queria entregá-lo, pois sentia por ele um amor que me fazia pensar que aquela criança me pertencia.
Depois de relutar por algum tempo entreguei o bebê àquela mulher bondosa e retornei naquela lancha, aos prantos, me perguntando porque tinha me afeiçoado tão fortemente a uma criança que sabia que não era minha e mais, com quem tinha ficado tão pouco tempo....
Acordei deste sonho com a certeza de que Deus estava me enviando um bebê, e com uma sensação maravilhosa do que era ser mãe. E então, quando fique grávida da Amanda pensei que seria um menino, por conta do sonho tão real que tinha tido.
Os anos passaram, nunca mais havia me lembrado deste sonho.
Em 2009 o Felipe nasceu, em 2011 partiu.
Com toda dor pela perda dele, passava noites me questionando o porquê desta perda tão irreparável, o porquê de Deus ter levado um filho tão amado, tão desejado.
Então um dia, no final de 2012, enquanto chorava  no banho de saudades, aquele sonho que tive em 2003 me veio como um raio de luz, como uma chave de libertação, e então eu pude compreender perfeitamente a mensagem que havia recebido anos antes:
- Eu havia concordado em fazer uma travessia com uma criança que sabia não ser minha;
- Consegui protegê-lo de todos os perigos, fazendo com que ele não sentisse nem medo, nem dor;
- Ao chegar ao destino onde sabia que deveria entregá-lo não queria me desapegar, porque o amor que ele me ensinou era grande demais para aceitar a separação... Mas, ele não era meu.. Lembra-se?
A partir  deste dia tudo mudou para mim, eu entendi a minha missão, eu entendi a missão dele, eu entendi que fiz por ele o que ele precisava e que fui apenas um instrumento para que ele fizesse a travessia que ele e eu precisávamos fazer.
A dor da separação é latente, as saudades são dilacerantes, mas a certeza de que ele está bem guia meus passos cada dia que saio da cama e sigo com minha caminhada que, certamente, terminará lá... onde um dia eu o entreguei com todo meu amor....

Ana Heloísa Z. Negrão